Opinião: Não existe almoço grátis


Não existe almoço grátis. No Brasil não é costume usar essa expressão idiomática, criada pelo escritor estadunidense Robert Heinlein, mas no seu país de origem ela é famosa

Os economistas costumam utilizá-la para dizer que nada é de graça, ou seja, se você não paga a conta outra pessoa paga por você. Porém o sentido que utilizo aqui é um pouco diferente, e se encaixa mais no contexto das relações emocionais: você (quase) sempre paga a conta.

A história deste artigo começa com uma paciente minha, mulher, que tem uma história semelhante à de muitas outras mulheres no Brasil e no mundo. Ela sempre aceitou que o
marido pagasse todas as despesas da casa, dos filhos e muitas das dela, apesar de trabalhar. O marido era o tradicional homem provedor. Se houvesse respeito à fidelidade na relação conjugal, não haveria problema para essa paciente em específico. Mas não havia. 

O que ela não percebia, contudo, era que a falta de respeito era um dos preços que ela pagava por ter uma vida de conforto e submissão. A submissão é o preço mais comum que a mulher paga por receber os benefícios do homem provedor, embora isso não seja uma exclusividade feminina. 

A pessoa que paga adquire mais poder sobre a que recebe. Pagar a conta costuma acompanhar uma exigência posterior. Essa exigência pode ser direta como “você deve transar comigo porque eu paguei a sua bebida”, ou sutil como “me ame”, “me dê atenção e carinho”, “limpe a casa para mim”, “faça isso ou aquilo por mim”. E pode ser ainda mais sutil: a pessoa que paga pode se sentir no direito de escolher onde passar as férias, qual casa comprar, com quais amigos sair no fim de semana, em qual cidade morar. Enfim, tomar as decisões do casal ou da família. Dinheiro é poder, como disse o filósofo inglês Thomas Hobbes; e isso vale também para as relações emocionais.


Minha paciente sofreu várias traições ao longo de mais de dez anos de casamento. E ela acreditava que não pagava nenhum preço por receber todo o conforto que recebia. Na terapia, percebeu que a falta de respeito era em parte consequência da sua submissão. E percebeu ainda mais: quando recebia algo do marido tendia a querer retribuir. Ou seja, o preço que pagava na maioria das vezes era de livre e espontânea vontade. Em termos gerais, se você recebe você tende a querer dar algo em troca. Se você recebe atenção e carinho você tende a querer, ou mesmo a se exigir, dar atenção e carinho de volta.

O psicólogo Steven Dallas e a professora de marketing Vicki Morwitz, ambos da New York
University, pesquisaram sobre a tendência do ser humano de retribuir, no contexto das relações de negócios. Foram oferecidas aos 562 participantes da pesquisa três opções: (1)
usar wi-fi de graça, (2) usar wi-fi de graça com a retribuição de fazer cadastro no site provedor e (3) pagar para usar o wi-fi. Curiosamente, a maioria dos participantes preferiu usar o wi-fi fazendo o cadastro. Ou seja, eles preferiram retribuir o que ganharam de graça. 

E esse padrão de comportamento se repete nas relações normais do dia a dia. Você tende a retribuir o que você ganha, seja em dinheiro ou somente em atenção, carinho ou submissão. Ficar atento ao preço que se paga por receber presentes demais ou ter todas as despesas pagas pelo companheiro ou pela família (sim, os pais tendem a ter mais poder sobre os filhos quando pagam as suas contas) é um comportamento importante de prevenção. Contudo, relações de trocas amorosas não são necessariamente ruins. Se você dá atenção e carinho é bom que você receba atenção e carinho de volta. O que não é bom é que o preço se transforme em relações de poder e submissão, especialmente quando a falta de respeito é um ingrediente desse tipo de relação.

Por fim, afirmo que a exigência posterior não é uma lei universal. A gratuidade pode ser vista como um fundamento do amor, ou seja, dar sem exigir nada em troca. O problema é que a exigência posterior costuma ser invisível. Em nossa sociedade, a expressão idiomática tratada neste artigo se mostra verdadeira na maioria das relações emocionais. Alcançar a gratuidade talvez seja um desafio para todo ser humano que busca se melhorar eticamente. E ficar atento ao preço invisível que se paga é um comportamento de prevenção, especialmente para as mulheres, que são um grupo mais vulnerável a sofrer relações de submissão e, inclusive, de violência.
*Rodrigo Tavares Mendonça é psicólogo e especialista em psicoterapia de família e casal.
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