PF e Ministério Público agora escondem nome da Lava Jato até em fase da operação
Na última semana foram realizados mandados de busca e apreensão ligados Petrobras, mas não a chamaram nem de “fase” nem de “Lava Jato”.
Foto: Agência Brasil
Após uma série de desgastes na imagem pública, do desmonte das forças-tarefas e de reações do Congresso e da Justiça, a Lava Jato agora oculta o seu nome das operações.
Pela primeira vez em mais de sete anos, as autoridades do Paraná deflagraram na última semana mandados de busca e apreensão ligados ao esquema de corrupção na Petrobras, mas não a chamaram nem de “fase” nem de “Lava Jato”.
“A Polícia Federal deflagrou, na manhã desta quinta-feira (21/10), a Operação Laissez Faire, Laissez Passer. Cerca de 10 policiais federais cumprem em Niterói/RJ dois mandados de busca e apreensão expedidos pela 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba/PR no bojo do complexo de investigações que apuram crimes contra a Petrobras”, disse a nota de divulgação da PF à imprensa.
Os documentos da operação, porém, mencionam claramente que a Laissez Faire, Laissez Passer é a “OP. LJ. 82”. Ou seja, a 82ª fase da Operação Lava Jato. Já os documentos do Ministério Público Federal apontaram que quem trabalhava naquele caso era o “grupo de trabalho Lava Jato”.
A Procuradoria no Paraná atribui a nova nomenclatura a critérios de ligação com o núcleo originalmente alvo da operação —diferenciação que não existia anteriormente.
“O nome Operação Lava Jato continua a ser colocado quando a investigação é desdobramento do caso originário. Nas operações mais recentes, tem se evitado usar o antigo nome tendo em vista que o caso agora está sendo trabalhado por cinco ofícios [o equivalente a vara], sendo um deles o do procurador natural no Paraná.”
Desde março de 2014, já foram deflagradas 81 fases da Lava Jato —sendo apenas outras 3 em 2021, em janeiro, fevereiro e junho.
A ação deflagrada no último dia 21 envolve elos antigos da Lava Jato, como negócios da Diretoria de Abastecimento da Petrobras e a delação da Galvão Engenharia. Os mandados foram autorizados pelo sucessor de Sergio Moro na vara federal responsável pelo caso, o juiz Luiz Antônio Bonat.
Um dos alvos de busca e apreensão foi o atual diretor de Relacionamentos Governamentais do Flamengo, Aleksander dos Santos. As suspeitas partiram de um delator da Galvão.
O acordo de colaboração diz que ele procurou Aleksander para intermediar pagamentos de propina em troca de destravar interesses em contratos que a empreiteira tinha com a Petrobras.
Esse pagamento, segundo ele, foi feito também a uma assessora do então deputado José Otávio Germano (PP-RS), hoje prefeito de Cachoeira do Sul, a 200 km de Porto Alegre.
Procurada pela reportagem, a defesa de Aleksander disse que ele não praticou nenhum ato ilegal e as buscas não eram necessárias. Germano não se manifestou.
A prática de ocultar a marca Lava Jato, hoje frequente alvo de críticas no Congresso e no Supremo Tribunal Federal, difere frontalmente do que aconteceu durante o auge das investigações.
À época, o nome foi usado também em desdobramentos da operação em outras jurisdições além do Paraná, como em operações deflagradas por ordem do Supremo em decorrência de provas obtidas em Curitiba.
Além do Paraná, foram montadas forças-tarefas no Rio de Janeiro e em São Paulo, que acabaram extintas na gestão do atual procurador-geral da República, Augusto Aras, crítico da operação.
Naquela época, o coordenador da Lava Jato no Paraná, Deltan Dallagnol, costumava brincar em palestras que o objetivo da operação era “superar o número de fases do Candy Crush Saga”.
No ano passado, a Polícia Federal classificou um desdobramento relacionado a suspeitas na Justiça Eleitoral de Lava Jato Eleitoral.
A operação já estava desgastada, e o rótulo desagradou membros do Ministério Público de São Paulo —a acusação ficou sob responsabilidade dos promotores de Justiça, funcionários estaduais.
Além da questão do nome, outra mudança significativa na operação deflagrada no Paraná recentemente ocorreu em relação à divulgação dos trabalhos realizados.
As denúncias (acusações formais escritas pelos procuradores) não são mais tornadas públicas assim que protocoladas na Justiça, como costumava ocorrer.
A transparência quase total do conteúdo produzido na investigação se tornou uma das marcas da Lava Jato no Paraná, e a comunicação era tratada como um pilar para o sucesso da operação.
Agora, novas regras fizeram o procedimento ser revisto. Segundo a Procuradoria, a decisão decorre da criação da Lei de Abuso de Autoridade, sancionada em 2019, e da Lei Geral de Proteção de Dados.
“Além disso, precedentes disciplinares criaram um ambiente de incerteza e insegurança jurídica acerca da publicidade e da comunicação dos atos institucionais.”
No Rio de Janeiro, membros da antiga força-tarefa local da Lava Jato estão sendo processados no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) por suposta violação de sigilo na divulgação de denúncia em março.
As mudanças na Lava Jato no Paraná também ocorrem em um momento de ampla renovação dos quadros da operação no Ministério Público Federal.
Em fevereiro deste ano, com a extinção da antiga força-tarefa paranaense, a equipe foi completamente reconfigurada. Anteriormente, a investigação contava com 13 procuradores dedicados exclusivamente a ela.
Procuradores que atuavam na Lava Jato foram realocados em um Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), time especializado que não se dedica apenas à Lava Jato.
Em maio, morreu o procurador Alessandro Oliveira, que havia sucedido Deltan na coordenação da Lava Lato. Em agosto, houve mais mudanças, com o reforço de quatro procuradores de outros estados que ficarão por um período de um ano com casos da operação.
Além do ocaso da investigação, persiste sobre a operação a revisão de antigas decisões.
Nos últimos dois meses, duas das mais rumorosas sentenças da época de Sergio Moro foram anuladas: a que condenou o ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ), em 2017, e outra relativa ao pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Lula, de 2016.
Nos dois casos, houve entendimento de que cabe à Justiça Eleitoral avaliar essas acusações, e não à Vara Federal de Curitiba.
O primeiro caso foi por ordem do Supremo, o segundo por decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Em abril, o plenário do Supremo confirmou decisão do ministro Edson Fachin que anulou duas condenações contra Lula por entender que os casos não eram de atribuição da Vara Federal de Curitiba. Quatro ações penais foram enviadas para a Justiça Federal no Distrito Federal.
Posteriormente, em junho, o tribunal também confirmou decisão da Segunda Turma da corte de declarar Moro suspeito em sua atuação nos casos do petista. Provas obtidas sob ordens do ex-juiz foram anuladas.
No último mês, o Congresso também começou a discutir a possibilidade de aumentar a influência política no CNMP, sob o argumento de que eventuais abusos da Lava Jato não foram punidos.
Enquanto o assunto era discutido na Câmara dos Deputados, o conselho decidiu aplicar pela de demissão ao ex-integrante da Lava Jato paranaense Diogo Castor de Mattos por ter financiado um outdoor em homenagem à operação.
No outro dia, abriu procedimento administrativo disciplinar contra os integrantes da antiga força-tarefa do Rio.
Por 8 votos a 4, os conselheiros decidiram instaurar o procedimento aberto a pedido dos ex-ministros Romero Jucá, Edison Lobão e seu filho Márcio Lobão, acusados pelo grupo de procuradores.
A punição foi interpretada por parlamentares como uma resposta do conselho às críticas de que o órgão é corporativista e hesita em penalizar membros da carreira.
A recomendação do corregedor do CNMP é pela demissão dos procuradores. A pena só será definida ao final da investigação, caso o conselho entenda que houve, de fato, alguma infração funcional.
Procurada, a Polícia Federal no Paraná não se manifestou.
FONTE: JORNAL DE BRASÍLIA | EDIÇÃO: REDAÇÃO GRUPO M4
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