Muitos óbitos poderiam ter sido evitados se as pessoas físicas e jurídicas fizessem uso do Dispositivo Diferencial Residual nas instalações elétricas. Equipamento obrigatório por lei é negligenciado nas construções
Em Presidente Prudente (SP), um trabalhador de 46 anos veio a óbito em outubro após levar um choque elétrico enquanto fazia manutenção no telhado de uma empresa de automóveis. Em Natal (RN), um pintor de 47 anos morreu na hora, também vítima de choque elétrico, prestando serviço na fachada de uma academia no final de novembro. Já em Brasília (DF), outro homem morreu após levar um choque elétrico enquanto usava uma furadeira no portão de sua casa. Esses três casos fazem parte de um conjunto de 592 vítimas fatais, em todo o ano passado, no Brasil, por causa do choque elétrico. Os dados são do Anuário Estatístico de Acidentes de Origem Elétrica 2023, ano-base 2022, realizado pela Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade (Abracopel).
O relatório aponta 1.828 acidentes com energia elétrica, uma média de cinco por dia. No ano de 2021, esse número foi de 1.579, o que representa 249 ocorrências a mais em 2022. Somente os choques foram responsáveis por 853 acidentes, seguidos por 874 ocorrências envolvendo incêndios por sobrecarga de energia (curto-circuito) e 55 mortes, bem como 101 acidentes por descargas atmosféricas (raios), com 39 óbitos.
A região com maior número de óbitos por conta do choque elétrico foi a Nordeste (206), seguida da Sudeste (118). O Sul do país contabilizou 96 mortes; enquanto o Norte 88; e o Centro-Oeste, em último lugar da lista, 84. A boa notícia é que, no que diz respeito à perda de vidas por choque elétrico, apesar do número ainda ser bastante alto, está acontecendo uma redução ano a ano. No comparativo 2022 com 2021, houve um declínio de 12,2%. Já no período acumulado de cinco anos (2018-2022) foi observada atenuação de 4,82% no número de vítimas fatais, porém, houve um aumento de 2,03% no número total de acidentes.
Neste sentido, o engenheiro eletricista e diretor da Engerey, Fábio Amaral, enaltece que, mesmo com a abreviação de casos, quando o assunto é energia elétrica todo cuidado é pouco. “Trata-se de um tipo de atividade que expõe profissionais e amadores a riscos que vão desde queimaduras, passando por lesões, e que podem até culminar em morte”.
Estados recordistas
O Estado de São Paulo ficou em primeiro lugar na listagem de óbitos por choque elétrico, em nível nacional. Por lá, aconteceram 62 óbitos. Na sequência aparece a Bahia, com 60. Santa Catarina, com 44, vem em terceiro lugar, seguida do Pará (37) e do Mato Grosso (28). De acordo com Fábio Amaral, muitos desses óbitos poderiam ter sido evitados se as pessoas físicas e jurídicas fizessem uso do Dispositivo Diferencial Residual (DR) nas instalações elétricas, aliado a um sistema de aterramento funcional, condutores de proteção elétrica (fio terra), pontos de tomada e instalação elétrica de modo geral que atenda às normas técnicas vigentes. “Esses são os elementos primordiais para garantir a mínima segurança para uma instalação elétrica em baixa tensão”, garante o especialista.
Ele também chama a atenção para o fato de que o DR é obrigatório no Brasil pela Norma Técnica ABNT NBR 5410:2008. Entretanto, segundo o Raio X das Instalações Elétricas Residenciais Brasileiras, somente 21% das residências brasileiras contam com o DR, e apenas 52% das residências possuem condutor de proteção (aterramento).
De acordo com o anuário da Abracopel, outro motivo para o elevado número de acidentes de trabalho com eletricidade é que as empresas ou indivíduos, por diversas vezes, não contratam profissionais capacitados e qualificados, ou mesmo não realizam os passos básicos para um serviço com eletricidade, que são as Análises Preliminares de Risco (APR) e a geração de procedimentos padrões de trabalho. “Além de sempre contar com pessoas capacitadas para realizar serviços de eletricidade, é fundamental que os trabalhadores sejam bem treinados e utilizem os equipamentos de proteção individual (EPIs), sem exceção”, explica o engenheiro eletricista da Engerey.
Faixa etária
No que tange à faixa etária, a parcela da população que mais sofre acidentes fatais por choque elétrico está em idade economicamente ativa, entre 21 e 50 anos, com aproximadamente 60% das mortes. Essas ocorrências se dão no trabalho, na maioria das vezes, segundo a Abracopel, por falta de atenção ou desconhecimento dos riscos envolvidos nas atividades. Para se ter uma ideia, falando somente de profissionais especialistas em eletricidade, foram 69 acidentes com 40 mortes de profissionais que, teoricamente, deveriam conhecer os riscos elétricos, conforme a Norma Regulamentadora nº 10 (NR 10), e que, portanto, estariam aptos a seguir as regras de análise prévia do risco, uso de equipamentos e produtos adequados e de qualidade, bem como as boas práticas de segurança.
Em 2022, outro dado da pesquisa que chama atenção é que os choques elétricos vitimaram mais idosos no Brasil, foram 50 acidentes com homens acima de 60 anos. Desses, 44 foram fatais, totalizando 88% de ocorrências.
No caso da parcela de homens entre 31 e 40 anos, 65% dos casos foram letais. Isso ocorre, na visão de Fábio Amaral, porque geralmente os acidentes de choque elétrico não acontecem nas empresas ou indústrias, mas sim nas residências. Inclusive, nelas, foram registrados 149 óbitos.
Os maiores causadores de choques elétricos foram: eletrodomésticos e eletroeletrônicos (21,5%); fio partido ou sem isolamento (16,8%); manutenção caseira, como consertos em telhado, antena ou ar-condicionado (10,7%); e extensão, benjamin ou tomada (14,1%). Os carregadores de celular também aparecem na lista com 4% dos casos.
Vale lembrar que, nas casas, o socorro é sempre mais demorado. Além disso, há a fragilidade natural da idade elevada. “Neste sentido, é importante que as pessoas se preocupem com os projetos de eletricidade, que devem estar bem-feitos, sem gambiarras, evitando problemas e garantindo a segurança e a tranquilidade dos familiares, bem como o melhor funcionamento de todo o sistema elétrico, o que colabora, ainda, para evitar o desperdício”, ressalta Fábio Amaral.
Fábio Amaral
Incêndios
O Anuário da Abracopel aponta aumento tanto para os incêndios de origem elétrica quanto para o número de vítimas. Em 2022, foi registrado um acréscimo de 32,3% dos incêndios de origem elétrica em relação ao ano anterior (2021), totalizando 874 registros em 2022. No período acumulado apresentado (2018-2022) foi observado um aumento de 57% no número de acidentes, entretanto, felizmente, houve uma redução de aproximadamente 10% no número de mortes.
A região Sul foi a campeã desse tipo de acidente, com 272 ocorrências. Dos três estados, o Paraná ficou em primeiro, com 100 registros de incêndios e três mortes. No Sudeste, São Paulo computou 103 acidentes com nove perdas de vida e, Minas Gerais, 78 ocorrências. Dessas, cinco foram fatais.
Esses acidentes decorrem, na maioria das vezes, por causa das instalações elétricas “mal dimensionadas” ou que não sofrem revisões periódicas, acarretando situações de sobrecarga, não sendo protegidas pelos dispositivos corretamente. Um disjuntor dimensionado corretamente para o condutor não deixará a sobrecarga ou o curto-circuito evoluir para o aquecimento e posterior princípio de incêndio.
“As pessoas devem ter em mente que a energia elétrica, por ser a fonte de luz e de funcionamento da maioria dos aparelhos que existe dentro de uma casa, empresa ou indústria, deve ser tratada com respeito e segurança. Instalações mal executadas ou mal dimensionadas podem trazer vários riscos para os ocupantes de um ambiente. Além de acidentes que podem culminar com perdas de vida, há ainda o fator gasto, que será muito maior para reparar problemas elétricos. Então o melhor a ser feito é agregar qualidade às instalações e assim garantir que a rede de energia do imóvel em questão esteja em perfeitas condições”, finaliza Fábio Amaral.
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