Conceito criado em 2017, fruto de prática iniciada em 2013 por Margaret Hagan, nos Estados Unidos, já é realidade no Brasil: empresas, poder público e terceiro setor aderem
O uso do “legal design” para traduzir o juridiquês é uma experiência que completa dez anos em 2023. O termo foi usado pela primeira vez por Margaret Hagan, nos Estados Unidos, em 2013, no laboratório, na Universidade de Stanford.
Em 2017, com o livro que ela lançou – Law by Design –, o conceito se consolidou. Hoje, no Brasil, a prática é recomendada em resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e é política pública em uma unidade da federação (Ceará), além de ser cada vez mais adotada por empresas e organizações do terceiro setor.
Ao tornar os documentos jurídicos compreensíveis para qualquer pessoa, como contratos, decisões judiciais, políticas internas, certidões, editais e petições, a prática do “legal design” diminui conflitos, acelera negociações, evita descumprimento de contratos e reduz duração do tempo de processos judiciais, conforme explica a advogada Mariana Moreno, presidente da Comissão de Legal Design e Visual Law da Ordem dos Advogados do Brasil na Paraíba (OAB/PB).
Ela e o também advogado Erik Nybo fundaram, em 2020, a Bits, uma startup de prestação de serviços de “legal design”. A empresa atua em três frentes: cursos de formação, estúdio de “legal design” (no qual transforma documentos demandados por clientes) e, mais recentemente, desenvolveu um software de “legal design”, único no mercado direcionado para a área jurídica.
“Todos os setores do mercado e da sociedade estão cada vez mais preocupados em oferecer uma melhor experiência para seus clientes e usuários. E na área jurídica não poderia ser diferente”, pontua Mariana. Por isso a criação de documentos jurídicos que são fáceis de entender é uma tendência que veio para ficar. É um mercado que ainda tem muito para crescer.
Mariana Moreno e Erik Nybo, fundadores da Bits |
A inserção do design no universo jurídico, por Margaret Hagan, “cria uma nova geração de serviços acessíveis e envolventes no meio”, afirma Mariana Moreno. “[A autora] propõe reanalisar o mundo jurídico como um todo, utilizando o design para encontrar soluções que façam mais sentido para a sociedade e para solidificar uma abordagem centrada no ser humano e na sua experiência ao utilizar um documento, o serviço e sistema jurídico”, acrescenta a cofundadora da Bits.
Mariana Moreno destaca que, no Brasil, o Poder Judiciário não só usa, como também incentiva a adoção do “legal design”.
A resolução 347, do CNJ, de 2020, estabelece em seu artigo 32 que a prática deve ser utilizada, sempre que possível, para que os documentos jurídicos se tornem “mais claros, usuais e acessíveis”. “Mesmo órgãos públicos que têm fama de serem extremamente rígidos e burocráticos, como é o caso das Juntas Comerciais, já estão aceitando elementos gráficos e técnicas de ‘legal design’ em atos societários”, exemplifica a advogada.
No Poder Executivo, o Estado do Ceará se tornou, ano passado, a primeira unidade da federação a instituir a prática em lei. Por meio da Política Estadual de Linguagem Simples e Direito Audiovisual, editais e atos normativos devem ser publicados em versão descomplicada.
LEGAL DESIGN, VISUAL LAW OU DIREITO VISUAL?
Segundo Mariana Moreno, no Brasil, o termo “visual law” se tornou recorrente para se referir à prática do “legal design”. É essa expressão que aparece, por exemplo, na resolução do CNJ. A tradução para “Direito visual” também é comum (está no nome da política pública cearense). São formas diferentes para o mesmo conceito cunhado por Margaret Hagan em seu livro de 2017, sublinha a advogada.
“Há quem diga”, observa Mariana Moreno, “que ‘visual law’ é a aplicação de recursos gráficos e imagéticos em documentos jurídicos, enquanto o ‘legal design’ é um conceito mais abrangente. No entanto, usar apenas elementos visuais e não aplicar uma linguagem simples não ajuda a tornar o documento mais fácil de entender. Por isso, entendo que o conceito visual law não cumpre o objetivo, já que foca apenas na estética e não na funcionalidade do documento”, avalia.
Além disso, continua a especialista, a descomplicação de um documento não se limita a deixá-lo “mais bonito” visualmente, por meio de imagens e outros recursos gráficos. Inclui simplificar a linguagem, o que implica preocupação com o texto também. “Pega-se aquele documento cheio de termos rebuscados, com gigantescos blocos de texto corrido, escrito em termos técnicos, e transforma-se em algo para ser lido de forma agradável e, principalmente, que possa ser compreendido”, frisa Mariana Moreno.