Especialista explica que doença é de difícil diagnóstico, uma vez que ele é feito por exclusão. Conheça sintomas e características dessa síndrome
A Síndrome da Fadiga Crônica, também chamada de encefalomielite miálgica, é um quadro caracterizado por um cansaço extremo e incapacitante, que não está relacionado com exercício físico e não melhora com repouso. O transtorno, que atinge cerca de 150 mil brasileiros por ano, é de difícil diagnóstico e também pouco estudado, o que atrasa a descoberta de tratamentos.
Antes de detalhar as características da síndrome, é preciso diferenciar cansaço de fadiga. O primeiro é uma reação proporcional do corpo à situações em que o indivíduo realiza muitas atividades, sejam elas físicas, mentais ou mistas. Já a fadiga é desproporcional e ocorre mesmo quando não há grande esforço.
Conforme o médico endocrinologista Flavio Cadegiani, a fadiga não melhora com o descanso. “Se você está só com cansaço, você descansa e melhora. Já no caso da fadiga, não. Você pode melhorar muito pouco ou não melhorar nada. E aí tem diferença entre fadiga e exaustão. A exaustão, na realidade, é uma fadiga mais intensa, onde a pessoa fica quase incapaz de realizar atividades”, comenta.
Doutor em endocrinologia clínica pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Cadegiani explica que, quando a fadiga já dura mais de seis meses, é o caso de tratá-la como crônica.
Causas de fadiga
De acordo com o especialista, existem mais de 100 causas de fadiga. “Podem ser má qualidade do sono, alterações hormonais, problemas da tireoide, início de menopausa, baixa de testosterona em homens. Além da falta de vitaminas - B12, ácido fólico, vitamina D - e desnutrição”, exemplifica.
Já as causas de fadiga crônica estão mais relacionadas a estados crônicos de desidratação; doenças autoimunes não investigadas; problemas pulmonares, cardíacos, neurológicos etc.
“E tem o caso também da pessoa que quer ser um robô, que não respeita os próprios limites mesmo estando cansada. Aí ela não percebe a fadiga, que depois vira fadiga crônica, mais central e mais intensa, até chegar na exaustão”, alerta o doutor.
Geralmente, a síndrome afeta mais mulheres de 30 a 50 anos. No entanto, também pode atingir homens e outras faixas etárias.
Diagnóstico e tratamentos
A Síndrome de Fadiga Crônica, por definição, é uma fadiga crônica que permanece por, pelo menos, seis meses e que não tem causa médica detectável. “Essa síndrome é um diagnóstico de exclusão. Quando você exclui causas de fadiga crônica médicas, causas médicas de alterações nos exames, alterações bioquímicas, alterações em imagens, e não encontra nenhuma causa, trata-se da Síndrome de Fadiga Crônica”, pontua Flavio Cadegiani.
Ele diz que, neste caso, os médicos trabalham para diminuir a intensidade dos quadros de fadiga e a frequência com que essas fadigas vêm.
“O principal é tratar a causa base da fadiga. Se for sono, usar todas as modalidades de tratamento de sono; às vezes algum tratamento até farmacológico de curto prazo; higiene do sono, que é fundamental. Se forem vitaminas, hormônios, fazemos tratamentos para melhorar os níveis de energia. Às vezes, a pessoa entra em um quadro em que que tratar a causa base não ajuda em 100%. Nestes casos, a gente prioriza otimizar alguns aspectos médicos para conseguir tirar a pessoa da fadiga pelo menos temporariamente”, explica o médico.
Poucas pesquisas clínicas
O doutor em endocrinologia afirma ainda que por muito tempo a medicina abordou a fadiga como consequência de determinadas doenças, e não o contrário. “Então, temos pouca pesquisa sobre tratamento de fadiga em si, porque normalmente o tratamento feito é o de uma doença que levou à fadiga”, pontua.
“Em relação à Síndrome da Fadiga Crônica, aí é que há pouca pesquisa sobre tratamentos mesmo. Pela importância e relevância da fadiga no mundo, a gente tem proporcionalmente poucas pesquisas”, destaca. Até o momento, nenhum medicamento provou sua eficácia no tratamento da síndrome.
“Por outro lado, eu preciso falar que têm muita pesquisa de causas que levam à fadiga e, quando você trata essas causas, as pesquisas avaliam se houve melhora da fadiga. Isso já tem bastante, cada vez mais. Inclusive, no caso de mulheres pós-menopausa, melhora da fadiga é critério para indicação de reposição hormonal”, acrescenta Flavio.
Relação com o Burnout
A Síndrome de Burnout é um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico e mental, resultantes de situações de trabalho desgastante. A doença acomete 30% de 100 milhões de trabalhadores, de acordo com pesquisa da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt).
Conforme alertam especialistas, a fadiga não tratada pode culminar no Burnout. “O Burnout era inicialmente associado ao espaço de trabalho, na década de 70. Hoje, a gente sabe que vai muito além. E normalmente são pessoas que têm uma alta performance física, uma alta performance cognitiva, que querem fazer tudo ao mesmo tempo e que não se respeitam, não respeitam o próprio corpo”, enfatiza Flavio Cadegiani.
Segundo o médico, a melhor forma de evitar a fadiga do Burnout é estar atento aos sinais do próprio corpo. “É importante fazer uma autoavaliação, observar se está tudo bem, saber dizer não, evitar ambientes tóxicos, pessoas tóxicas.”
As estatísticas sobre a síndrome ainda são falhas no país. Porém, levantamento da International Stress Management Association (Isma) estima que mais de 30% da população economicamente ativa do Brasil sofre de sintomas de burnout. Isso coloca o Brasil como o segundo país com mais casos de burnout no mundo – atrás apenas do Japão, que tem 70% da população atingida pela doença.
“Não sei quem inventou que o brasileiro não trabalha. O brasileiro trabalha muito. E, em geral, não sabe respeitar o espaço casa-trabalho, não põe um limite. Sem contar que temos um nível de ansiedade muito alto no país. Isso ainda junta com a alta carga de trabalho, com a má qualidade do transporte [...] A combinação de todos esses aspectos provavelmente leva a gente para o segundo lugar nesse ranking”, avalia Cadegiani.
Projeto na Câmara regulamenta tratamento no SUS
Tramita na Câmara dos Deputados um projeto que regulamenta o tratamento de fibromialgia e fadiga crônica no Sistema Único de Saúde (SUS). Atualmente, pacientes com essas doenças já têm direito a receber atendimento integral pelo SUS (incluindo tratamento multidisciplinar nas áreas de medicina, psicologia e fisioterapia), acesso a exames complementares e a terapias reconhecidas, inclusive fisioterapia e atividade física. Mas, com a aprovação do projeto, essa garantia poderá ganhar status de lei. A novidade da proposta é a inclusão do acompanhamento nutricional e do fornecimento de medicamentos.
O PL 3.525/2019 foi aprovado no Senado em março deste ano. Entretanto, uma vez que a matéria foi modificada no Senado, acabou retornando para nova análise da Câmara. Atualmente, o projeto aguarda parecer do relator na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família (CPASF)