Juiz italiano arquiva processo em que organizações eram acusadas de colaborar com "imigração ilegal"
Após sete anos de falsas acusações, declarações difamatórias e uma campanha flagrante de criminalização contra organizações que realizam operações de busca e resgate no mar, a investigação lançada pelo Ministério Público da cidade italiana de Trapani, na Sicília, no final de 2016, foi encerrada nesta sexta-feira, 19 de abril.
No processo, Médicos Sem Fronteiras (MSF) e outras organizações que realizam busca e resgate eram investigadas sob a acusação de ajudar e encorajar a “imigração ilegal”. O caso envolveu uma acusação gigantesca baseada em suposições, escutas telefónicas, declarações falsas e uma interpretação dos mecanismos de resgate deliberadamente distorcida para apresentá-los como atos criminosos.
Após uma audiência preliminar de dois anos, o mesmo Ministério Público que abriu a investigação reconheceu que as provas mostravam que as ONGs trabalhavam com a única intenção de salvar vidas e pediu que o caso não continuasse sua tramitação. O juiz encerrou definitivamente o caso hoje, alegando a falta de fundamento das acusações e eliminando qualquer suspeita de colaboração com contrabandistas.
"Estas acusações infundadas tentaram manchar o trabalho das equipes humanitárias de busca e salvamento durante anos. O seu objetivo era retirar navios do mar e combater os seus esforços de salvar vidas e dar testemunho sobre o que acontece. Agora estas acusações ruíram", disse o Dr. Christos. Christou, presidente internacional de MSF. “Nossos pensamentos estão com nossos colegas de MSF e de outras organizações que têm vivido sob o peso de acusações por fazerem seu trabalho legitimamente: salvar pessoas em perigo no mar, com total transparência e em conformidade com as leis”, disse o Dr. Christou.
Durante o limbo de sete anos de espera pela decisão, os ataques continuaram por meio de uma série de políticas prejudiciais às atividades de busca e salvamento. Estas incluem leis restritivas, a detenção de navios civis e o apoio à Guarda Costeira da Líbia, que tem dificultado os resgates e agravado o sofrimento e as violações dos direitos humanos das pessoas devolvidas à força à Líbia. Enquanto isso, as mortes no Mar Mediterrâneo continuaram a aumentar. O impacto é mortal: 2023 foi o ano com o maior número de mortes desde que as denúncias foram feitas pela primeira vez contra os membros da nossa equipe em 2017.
De acordo com a Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (EU), pelo menos 63 processos judiciais ou administrativos foram instaurados por estados da UE contra ONGs de busca e salvamento (dados de junho de 2023). No ano passado, as autoridades italianas detiveram navios de salvamento humanitário 21 vezes, totalizando 460 dias em que as embarcações foram impedidas de ajudar pessoas em perigo no mar.
O navio de busca e resgate de MSF, Geo Barents, acaba de retomar as operações após 20 dias de detenção injusta sob a falsa acusação de colocar em risco a vida de pessoas, depois que um barco patrulha da Guarda Costeira líbia interrompeu violentamente uma operação de resgate em andamento.
Além disso, navios humanitários são continuamente obrigados a deslocar-se para portos distantes no norte de Itália para desembarcar sobreviventes, mantendo-os afastados da área de busca e salvamento, enquanto as vidas das pessoas estão em risco.
Juntamente com políticas cínicas de externalização da gestão das fronteiras para outros países que não oferecem segurança para os migrantes, como a Líbia, a Itália e membros da UE estão virando as costas para as pessoas que procuram segurança na Europa, contribuindo para alimentar o sofrimento humano e, em última análise, demonstrando um total desrespeito pela proteção de vidas humanas.
“Nestes anos, as autoridades italianas investiram enormes recursos na criação de barreiras à ação humanitária e em políticas que tem causado mortes, ao mesmo tempo que não fizeram nada para impedir a ocorrência de naufrágios e nem para abrir rotas legais e seguras para as pessoas que fogem através do Mediterrâneo”, afirma Tommaso Fabbri, antigo coordenador de projeto de MSF, que esteve envolvido no caso. “Salvar vidas não é um crime, é uma obrigação moral e legal, um ato fundamental de humanidade que simplesmente deve ser realizado. Parem de criminalizar a solidariedade! Todos os esforços devem ser feitos para prevenir mortes e sofrimentos inaceitáveis e garantir o direito ao resgate – trazendo de volta a humanidade e o direito à vida no Mar Mediterrâneo."
MSF é uma organização médico-humanitária internacional independente que presta assistência a pessoas afetadas por conflitos, epidemias, desastres naturais e crises em mais de 70 países. As equipes de MSF iniciaram as operações de busca e resgate no Mediterrâneo em 2015, para preencher o vazio deixado pelo encerramento da operação de resgate Mare Nostrum. Desde então, oito navios diferentes de MSF já ajudaram a salvar mais de 92 mil vidas. Apesar das barreiras, MSF não interrompeu suas operações de busca e resgate e até hoje suas equipes estão envolvidas neste trabalho, a bordo do atual navio, o Geo Barents.
“Nossos trabalhadores humanitários nunca pararam de atuas nos projetos de MSF em todo o mundo, assim como nossos navios nunca pararam de salvar vidas no mar. Esta tem sido nossa melhor resposta a todas as acusações”, conclui o Dr. Christou.